A Redenção do Vilão
Vivemos num país em que a ética tornou-se bem elástica. Vemos isto claramente quando encontramos alguém defendendo um político com a famosa frase “rouba, mas faz”. Percebemos então como o povo foi contaminado por uma forma de ver a vida deturpada. Como achar normal alguém roubar dinheiro que salvaria vidas em hospitais que estão caindo aos pedaços, que daria uma oportunidade de vida melhor para as crianças que procuram a escola ávidas de aprender? Fazer não é mais que a obrigação de quem se elegeu para um cargo público, afinal para isto foi eleito, ter direito de roubar apenas porque cumpre sua obrigação é uma lógica que não consigo entender.
O problema na verdade vem de longe, muito longe, acredito que até antes de sermos invadidos pelos navegadores portugueses, pois muito desses jeitinhos que viciaram nosso povo foram trazidos pelos lusitanos via Atlântico. As pessoas foram se acostumando e se acostumaram tanto, que incorporaram como sendo característica do brasileiro a capacidade de tirar vantagem em tudo. Hoje vejo em vários programas da TV campanhas para reeducar o povo. Para tirar a idéia de que não devemos nos aproveitar do turista que vai se tornar nosso companheiro pelo período dos grandes eventos programados. É uma pena perceber que chegamos a esse ponto. Mas quem sabe esses eventos serão a nossa redenção? Dizem que Barcelona teve um avanço maravilhoso quando as olimpíadas ocorreram lá, quem sabe mais do que avanços físicos, nós tenhamos um avanço moral?
Sei que a sociedade como um todo está mudando. Sei também que valores importantes no passado estão superados para se adaptarem aos novos tempos e quem duvida basta ver o histórico de uma das unanimidades nacionais: as novelas. Quem chegou à casa dos quarenta deve lembrar que nas novelas de nossa infância a mocinha era realmente a mocinha no termo lúdico da palavra. Era sempre uma menina pura, ingênua, que se apaixonava pelo mocinho no início da novela e arrastava aquele amor por todos os capítulos até ser brindada com a felicidade eterna no final. E detalhe importante, na maioria das vezes o mocinho era o primeiro namorado da sonhadora donzela. Hoje temos uma novela cuja “mocinha” era ex-mulher de traficante, se prostituía na Turquia, mas as pessoas entenderam e torceram para que ela se desse bem no final. Coisa que no passado nem seria apresentada na TV. Grande mudança, porém o que mais mudou mesmo foram os vilões.
O vilão é o contraponto da trama. Ele precisa existir para que a vida não seja um marasmo e não haveria sentido contar a história. E o mais importante: se ele não existisse, não teríamos para quem torcer. Pois bem, no passado o vilão era mau porque era mau e pronto. Era movido pela ambição, ciúme, inveja. E tudo isto incorporado ao seu caráter de bandeja pelo autor. Por não haver como explicar tanta maldade, no final a forma mais fácil de justificar o vilão era a loucura. Mas mesmo reconhecendo a doença mental do vilão, todos torciam para que ele morresse no final. E não bastava morrer, tinha que ser uma morte cruel, no mínimo uma explosão que espalhasse seus pedaços ao vento. E hoje? Temos os vilões humanizados que vêm com um histórico justificando suas maldades e que no final pesa para que o público não queira que seu fim seja tão dramático. Não foi isso que aconteceu com a Carminha?
A redenção do vilão cresce a cada novela. Pode ser como no caso citado acima da Carminha. Pode ser pela piedade, que hoje as pessoas sentem por entenderem melhor os casos dos doentes mentais. Ou simplesmente pode ser por achar o vilão divertido.
Para defender com louvor e para por um ponto final nesta minha idéia, basta citar a nova novela das nove. Quando ainda era a novela das oito, e o tema da história pegava o telespectador pelo pé, víamos capas e reportagens com o casal de protagonistas. Hoje temos reportagens e conversas em lugares públicos falando do vilão. Este vilão que já foi tão incorporado no dia a dia do brasileiro que talvez você encontre quem não saiba dizer qual o casal de mocinhos da novela, mas com certeza citarão rapidamente quem é o vilão.
Dinaiá Lopes