Amar o fácil
Se você perguntar para qualquer um quais as qualidades que deverá ter a pessoa que ele escolherá para amar, a grande maioria passeará por uma lista em que apareçam qualidades como belo, inteligente, carinhoso e a cereja do bolo, claro, que seja rico. Assim é fácil.
Ninguém quer amar o que é diferente, o que é difícil, o que vai dar trabalho. Qual a razão? Simples, é mais fácil. “Eu não quero alguém que me traga problemas, eu quero alguém que me livre dos meus problemas.” Este parece ser o pensamento geral. Mas se todos pensarem assim, ninguém ficaria com ninguém, afinal não há seres perfeitos. Como eu posso ter a cara de pau de exigir alguém perfeito ao meu lado se sou tão imperfeita? Será que só eu tenho direito a imperfeição?
Sonhando com príncipes e princesas o que acontece são vários encontros seguidos de rápidos desencontros. Na verdade a opção por amores descartáveis esconde o medo de se machucar que envolvem a busca pelo amor.
O erro começa quando você idealiza o outro. Pronto, o mal está feito. Você passa buscar exatamente o que imaginou e quando encontra alguém que lhe chama atenção, você já parte do princípio que a pessoa virá com um kit brinde contendo todas as qualidades que você deseja. O processo é quase sempre o mesmo: conhece-se a pessoa, faz-se todo um teatro para impressionar, criam-se pessoas que não são reais, com qualidades desfilando a sua frente e defeitos escondidos embaixo do tapete. Um sonho!
Não se sinta culpado se você se identificar com esta situação em sua nova paquera, porque a recíproca é verdadeira. Esteja certo que seu parceiro está preparando o mesmo feitiço que você. Mas os dias passam, e como dizia o sábio Abraham Lincoln, você não pode enganar a todos o tempo todo. E se vocês sobreviverem ao primeiro encontro, passam então a se desmascararem um pouquinho a cada dia, iniciando uma nova etapa em que o verdadeiro eu será revelado. Felizmente nesta etapa em que se permitem ser quem são, em muitos casos junto com os defeitos descobertos vem a confirmação de algumas qualidades.
Descobrir o outro é a parte mais difícil no processo de conhecimento, pois quebrar o que é sonho nunca é confortável e muitas vezes nos leva a uma autodescoberta que nem sempre é agradável. É mais fácil, mesmo que inconscientemente, tentarmos fugir do comprometimento que exige uma relação real, jogando no outro nossas imperfeições e medos. O momento decisivo da busca pela felicidade talvez esteja neste exato momento, em que você escolhe desistir de fugir e se permite descobrir, que não está amando o outro pelas qualidades, mas apesar dos defeitos.
Amar o outro apesar dos defeitos é reconhecer que não tem ao seu lado o príncipe ou princesa que tanto sonhou, mas alguém real com quem você quer dividir sua vida. O processo é difícil porque implica em um exercício de paciência que não faz parte da filosofia de vida dos dias de hoje, principalmente entre casais. É frequente encontrarmos uma mensagem nas redes sociais em que dois velhinhos dizem que seu casamento durou cinqüenta anos porque são do tempo em que quando as coisas quebravam não se jogava fora, consertava-se. Perfeito. Só devemos jogar fora a relação depois de esgotarmos as possibilidades de se encontrar e reencontrar no outro. Ziraldo, sabiamente, descreveu isto uma vez quando disse que nos momentos em que pensava que seu casamento chegara ao fim, lembrava-se que um dia foi loucamente apaixonado por sua esposa e passava a reparar mais naquela que foi seu grande amor e de repente via-se novamente a amando como na primeira vez. Mas para isto acontecer é primordial que os dois queiram que a relação seja forte e tenham paciência de vê-la crescer. O grande jatobá um dia foi uma simples semente, o tempo, os cuidados da natureza com a pequena semente o fizeram crescer. Mas e se no despontar da pequena árvore uma tempestade arrastasse a terra que o envolvia? Não teríamos o privilégio de admirá-lo. Porém, a cada tempestade vencida a árvore se fortalecia. Como criar relacionamentos verdadeiros e fortes sem termos a paciência, e muitas vezes sabedoria, para enfrentar as grandes tempestades?
O que não podemos negar é que 90% das pessoas buscam relacionamentos sérios e os 10% restantes têm medo de admitir esta busca. Esta busca só terá bons resultados se não temermos sermos verdadeiros com os nossos sentimentos. Medo de sair ferido, medo do outro não corresponder a sua entrega, medo de dar com os burros n’água, isto faz parte deste jogo. Mas se o jogador ficar com medo de chutar a gol só porque perdeu um pênalti, acabaria com sua carreira. Se nos fecharmos porque nos feriram uma vez, nos condenamos a não desfrutar do melhor que a vida pode oferecer: amar.
Viver é correr riscos e vamos corrê-los, pois pior que trazer o coração com cicatrizes de amores frustrados, é trazê-lo limpo de uma vida não vivida. Correr risco é ter a certeza que em nosso encontro final com a vida diremos felizes: “Eu vivi”.
Dinaiá Lopes