De volta à escola.
Este final de ano trouxe uma festividade a mais, a formatura de meu filho no Ensino Médio. Sentada no auditório da escola, esperando começar a cerimônia, não pude deixar de fazer um paralelo com a minha formatura há trinta e seis anos. O colégio é o mesmo, porém a diretora é outra e o auditório está todo reformado. Mas o olhar e a impaciência dos jovens que circulam freneticamente entre os convidados antes que a cerimônia comece, são os mesmos. Os mesmos porque fazem parte do desafio de ser jovem, seja em 2013 ou em 1977.
A entrada dos professores mostrou um desfile de pessoas jovens que poderiam estar usando beca e se passando tranquilamente por um dos formandos, mas em meio aos jovens mestres eis que aparece o Professor Gilberto. Meu Deus! Ele foi meu professor. E já era coroa na época. Se bem que quando temos 16 anos todos que têm mais de 30 nos parecem coroas. Mas lá estava o Gilberto para me colocar ainda mais perto de minhas lembranças.
Essa escola fez parte de três gerações de minha família. Minha mãe estudou nela em plenos anos quarenta. Ela sempre conta que a escola era pequena, quase uma casa de família. As portas eram grandes, de madeira e se abriam para um pátio, onde brincava no recreio. Sempre menciona que só havia até a quarta série do antigo primário e depois teve que mudar de colégio.
Muitos anos se passaram até que fosse a minha vez de estudar nas salas que misturavam carteiras antigas e modernas, passear pelos corredores agora ampliados, circular por prédios reformados ou recém construídos. Mas ainda recebendo a formação religiosa que era característica do colégio e obedecendo as regras que faziam parte de seu dia a dia, como por exemplo, passar pela rotineira medição do comprimento da saia.
O prédio que eu mais gostava era a Capela. Linda! Delicada! Ficava imaginando como seria lindo casar e batizar meus filhos ali. Tenho certeza que era o que todas pensavam na época dos sonhos cor de rosa.
Além da capela eu gostava de visitar a biblioteca, onde aprendi a aproveitar o sistema que emprestava livros. Porém, o local que eu mais frequentava era a cantina que vendia picolé. Na verdade eu trabalhava nela. Como não conseguiria arcar com os custos do curso, consegui uma bolsa de estudos na prefeitura, mas ela não cobria todo o valor da mensalidade. Fui então informada que deveria pagar uma complementação. Eu não teria como fazê-lo e as freiras propuseram que eu trabalhasse na hora do recreio para cobrir a diferença. Claro que aceitei. Assim que tocava o sinal me dirigia para a cantina menor, onde eram vendidos picolés e alguns doces. O movimento maior era nos dias quentes, no inverno era tranquilo, não dava trabalho.
Eu era muito tímida e um dia a Diretora, Irmã Helena, resolveu fazer mudanças em nossos lugares na sala e me colocou junto às meninas mais tagarelas. Não sei até que ponto ela poderia imaginar o quanto seria bom pra mim. Descobri amigas muito especiais, que infelizmente ao término do curso seguiram caminhos diferentes que nos fizeram esquecer as promessas de sempre mantermos contato.
Não lembro muito das aulas, mas recordo claramente da correria para montar o álbum de arte da irmã Claudia; das músicas que fazíamos para alguns professores; dos divertidos shows da Aurinha nos intervalos das aulas; as mil e uma maneiras de colar que me deixavam rosa choque, mas que serviram para que eu, em minha profissão, tivesse uma visão muito particular do que é a cola. Como esquecer as gargalhadas que nos fizeram rolar no chão da quadra enquanto o professor de filosofia aguardava furioso na sala de aula. Quantas lembranças! Que saudade!
Depois de formada só retornei para fazer a matricula de meu filho na Educação Infantil. Pude então visitar a escola junto com os pais que a viam pela primeira vez.
A visita começou pelo prédio novo onde salas amplas eram usadas para atividades como aulas de arte, música, teatro, palestras... E ao lado a nova quadra, moderna, com uma arquibancada que agasalha muitos alunos e seus pais. Parece uma dessas quadras de escola americana. Ao entrar na ala antiga da escola me emocionei com a capela, que parece estar do mesmo jeito como eu a deixei. O jardim com as mesmas flores, mas não me lembro de ter aqueles anõezinhos no meu tempo. De repente o susto! Eu não estava preparada para entrar na quadra antiga e ver que eliminaram os desenhos que existiam na parede. Para mim eles eram a alma da escola. Sempre que pensava no tempo que passei por lá, tinha como símbolo os desenhos da irmã Claudia, uma freira alemã que tinha uma enorme paciência com a minha total falta de talento para a arte. Colocaram no lugar umas pastilhas frias e sem vida. A quadra perdeu sua identidade e com essa perda eu perdi também. Lembro que neste dia ao chegar em casa e corri para minha caixa de retratos em busca da foto que havia tirado na quadra durante uma apresentação de ginástica. Precisava rever os desenhos de irmã Claudia. Precisava saber que eles um dia foram reais.
O alvoroço do auditório me colocou de volta a formatura de meu filho. Subi no mesmo palco onde um dia eu disse adeus à escola e agora quem se despede é meu filho. Desejo, com fervor, que ele leve consigo a mesma ternura que eu tenho do meu tempo de escola.
Dinaiá Lopes
