
A Racionalidade de Angelina Jolie
Desde ontem não se fala em outra coisa que não seja a coragem de Angelina Jolie em fazer mastectomia para evitar um futuro câncer. Vejo nos jornais vários depoimentos de mulheres e médicos sobre o assunto. A fala se divide entre a exaltação de sua coragem e a crítica por ela ter se precipitado. Seja um lado ou outro, o vencedor é o debate sobre a doença. Para se vencer um inimigo, precisamos conhecê-lo e descobrir seus pontos fracos. Entre um palpite ou outro sobre a decisão da atriz, coisas foram ditas que podem ficar no inconsciente das pessoas e ajudá-las mais tarde.
Meus amigos sabem que em 2011 enfrentei este inimigo, com a descoberta de dois tumores no seio direito. Ao acompanhar o debate, revivi e repensei o processo de meu tratamento e lembrei-me do que foi dito na palestra que assisti ao começar a quimioterapia. O palestrante nos aconselhou a não comparar o nosso câncer com o câncer do vizinho. Durante o tratamento vi o quanto esta “dica” foi importante. Como é dito constantemente, mas parece que as pessoas ainda não assimilaram,encontramos mais de trezentos tipos diferentes de câncer e cada um deles se subdivide em vários outros. Não é porque eu tive um câncer no seio e superei bem, que vou criticar a mastectomia preventiva e dizer que a pessoa que tomou esta decisão se precipitou.
No caso da Angelina, foi bem esclarecido que o histórico dela é muito forte: a morte da mãe, o exame confirmando mais de 80% de chances de desenvolver a doença e a certeza de que é um tipo de câncer muito agressivo, já são dados suficientes para entender e respeitar a decisão da atriz. Não sabemos os detalhes pessoais que envolveram a decisão. A maior parte dos fãs nem sabiam que sua mãe morreu de câncer e não podem imaginar o sofrimento dela ao acompanhar todo o tratamento da mãe. Mas se por um lado não acompanhamos a parte emocional que levou Jolie a tomar esta decisão, por outro lado por muito tempo ainda ouviremos na mídia, os detalhes médicos e estes já são suficientes para que eu diga, na minha função de palpiteira, que ela está certíssima.
Ela se precipitou? O que deveria fazer? Esperar que este tipo de câncer que a ameaçava chegasse agressivamente e a destruísse em pouco tempo? O que ela perdeu fazendo isto? Os seios? Mas ela já está com dois novos seios e se bobear melhores que os anteriores. Então o fato de tomar esta decisão não mostrou coragem, mostrou racionalidade.
Meu caso foi diferente. Desde o início os médicos me deixaram bem animada dizendo que eu tinha grandes chances de superar o problema. Segui todas as direções por eles indicadas, passei por todas as etapas do tratamento: a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia. Não perdi o seio, não foi necessário. Ficou uma cicatriz tão insignificante que decidi não fazer nenhuma plástica. Ela é minha medalha pela vitória. Diante de um processo tão bem sucedido como o meu, poderia ser demagógica e falar que ela se precipitou. Ao fazer isso estaria ignorando a singularidade do quadro dela. Com toda a certeza do que vivi, asseguro que tomaria a mesma decisão da atriz.
Se posso dizer algo sobre a decisão de Angelina, digo que foi bom ela levantar esta polêmica, pois agora mesmo, enquanto escrevo, mais uma vez o jornal fala sobre o problema e dá como um novo exemplo, uma senhora que já perdeu 4 irmãs e 2 sobrinhas para doença. Como dizer para essa senhora que ela não faça a mastectomia? Como pedir que apenas faça um acompanhamento através de exames periódicos? É fácil para quem assiste dizer que ela espere, mas isto seria condená-la a insegurança, ao medo e a inércia. Ao aparecer a doença em um futuro exame, devido a seu histórico familiar, esse resultado vai lhe bater como uma sentença de morte. Então, por que esperar? Ela desistiu duas vezes em fazer a cirurgia pelos vários mitos que ela envolve, mas com exemplo de Angelina, retomou a decisão e desta forma, além de diminuir as chances de desenvolver a doença, terá uma vida mais tranquila, sem o fantasma do câncer a assombrando. Só por isto, já valeu o ato de Angelina.
Espero que mais do que um alarido da mídia por envolver uma pessoa famosa, possamos aproveitar este momento para entender o que se passa com uma pessoa ao enfrentar a doença, respeitar a decisão de cada um em relação à escolha de tratamento e principalmente, servir para que ao conhecer melhor, possamos enfrentar melhor este mal que tanto nos assusta.
Dinaiá Lopes