O que temos pra hoje
Há um bom tempo que não escrevo, razões são muitas, mas hoje a vontade bateu. Talvez porque tem muita coisa acontecendo. Coisas, que de tão absurdas, parecem filme de comédia do absurdo. O pior que nada disso é novidade.
Hoje recebi um vídeo pelo zap que mostra um trecho de um programa do Chico Anísio em que há um personagem bigodudo, um deputado com o famoso bordão “odeio pobre”. No programa, que já deve ter mais de 20 anos, o “deputado” descreve as falcatruas que hoje nos assombram. É inevitável pensar: por que naquela época ouvíamos e ríamos? E levanto outras questões: Será que éramos tão ingênuos que imaginávamos que era um caso isolado? Ou será que ao rirmos da cena fizemos crescer no mau político a certeza de que realmente nada os ameaçava?
O fato é que a coisa tá feia. Se é verdade que temos que ir ao fundo do poço para tomarmos impulso e subirmos, então preparem-se para a subida, porque pior do que está... Eu ia escrever que não dá para ficar pior, mas sabemos que pode sim. Rezo para nunca chegarmos a ponto de enfrentarmos uma revolta armada. Acredito que isso levaria a fragmentação do país.
Acredito que a crise econômica é fácil de resolver perto da séria crise moral e ética que enfrentamos. Fico imaginando se não passa pela cabeça desses políticos que entrarão para história da forma mais negativa possível. Será que Temer não se envergonha de ser no futuro apontado pelos livros de história como o presidente dos conchavos? Lembrado como aquele que lutou com afinco para tirar direitos dos trabalhadores, disfarçando esse golpe com a ideia de que estava apenas dando liberdade de negociação entre duas forças desiguais. Como o trabalhador dirá para seu patrão que quer tirar suas férias completas, que não quer trabalhar mais do que seu horário normal, muito menos para guardar as horas extras em banco de horas? Como dizer que não concorda em tirar apenas 30 minutos de almoço? Como se fazer ouvir quando o outro NÃO QUER e NÃO PRECISA ouvir? Talvez se tivéssemos uma economia estável, um equilíbrio entre oferta e procura de emprego, poderia haver uma negociação justa. Mas como o empregado vai dizer não ao patrão com uma fila de milhares esperando para dizer um sim desesperado. E nem pensar em usar a ideia de consciência de classe. Ela pula pela janela assim que a crise entra pela porta.
Hoje vi também o desabafo de algumas pessoas sobre a autorização que o Sr. Temer deu para mineradoras estrangeiras explorarem uma área na Amazônia, do tamanho da Noruega. Uma área preservada a duras penas ao longo de todos esses anos, foi entregue de mão beijada e o Sr. Presidente justificou seu decreto dizendo que tudo será feito com muito cuidado. Pena que o cuidado já deixou de existir antes mesmo de começar a exploração, pois uma decisão dessas não poderia ser feita por decreto presidencial e sim colocada para discussão no congresso. Provavelmente as mineradoras interessadas molhariam a mão de deputados e senadores, mas pelo menos não ficaria tão visível o interesse do presidente neste decreto e de repente daria um pouco de tempo para uma articulação da sociedade.
Articulação? Sim. Há algum tempo também ficaria descrente de uma articulação, afinal o desencanto é geral, e quando ficamos isolados nos sentimos fracos e imaginamos que nada está sendo feito ou mesmo nada pode ser feito. Mas venho assistindo algumas reportagens, lendo alguns artigos... Minhas ideias estão começando a ficarem mais otimistas. Tenho até pensado em colocar em dia meu titulo de eleitor, que não uso há pelo menos três eleições. E ontem assisti a um programa do Pedro Bial que havia gravado. Nele 3 meninas, sim, meninas, principalmente para uma senhora como eu. As três meninas falaram das articulações em que cada uma trabalha. Suas ideias e principalmente suas ações. São fundações que visam entre outras coisas, promover a articulação política do cidadão comum. O acompanhamento consciente da política nacional. E para quem pensa que é coisa pequena, uma das fundações já tem representação em todo o Brasil e as outras duas não ficam nada atrás. Um jeito novo de ver política que traz esperança no meio de todo esse furacão.
Na verdade estamos pagando o preço pelo erro de deixarmos nossa sociedade chegar a esse ponto. Sim, nosso erro. Algo não se estraga assim tão rápido sem a omissão dos responsáveis, e nesse caso, os responsáveis somos nós. Vimos todos os sinais, mas apenas ríamos ao assisti-los nos programas humorísticos de tão absurda que era a situação.
Ouvimos desde sempre que o problema do Brasil é educação e a deixamos se deteriorar a serviço dos maus políticos, que precisam de um povo ignorante que acredita quando ouve na televisão o candidato falar com indignação que vai lutar contra a corrupção, tendo ele mesmo uma série de processos nas costas e muitas vezes até condenações aguardando o recurso salvador.
Vemos nossas crianças em escolas com sérios problemas estruturais e para piorar a situação, a violência deixa os pequenos sem aula e eles ficam pelas ruas da comunidade sem ocupação e muitas vezes convivendo e até idolatrando o bandido, por não receberem os valores que lhes poderiam mostrar o quanto é errado aquilo que a incompetência das autoridades deixou crescer e hoje se apresenta para muitos deles como seu único caminho possível.
A crise está aí. Ontem havia uma lista com noventa e nove policiais mortos apenas esse ano. No enterro do 99° um cartaz dizia “Não quero ser o 100º”. E hoje já temos o centésimo.
É isso que temos pra hoje: uma sociedade que crianças não vão para a escola; policiais são caçados e o cidadão comum é refém do medo. Ainda bem que temos meninas como aquelas do Bial.
Dinaiá Lopes
26/08/2017